Início de Verão
 



Contos

Início de Verão

Tatiana Freitas


Eu estava reclinada em minha cadeira, apreciando aquele início de verão. Pensava o quanto a praia era um local agradável enquanto não chegava dezembro trazendo a turistada. O sol das nove horas retocava o dourado de minha pele, um tom eterno, graças aos exercícios diários ao ar livre e às sessões quinzenais de bronzeamento artificial. Meus seguidores sempre me perguntavam disso. E quando ninguém perguntava, eu mesma falava.

Sentia minha conexão com a natureza, quando o barulho de pessoas se aproximando derrubou o meu Wi-Fi. Eram mãe e filho. Tomados de apetrechos de praia. Estabeleceram-se bem ao meu lado, apesar da praia ser enorme e estar vazia.

- Vou colocar o guarda-sol! Agora o sol tá bom, mas daqui a pouco vai estar torrando a tua pele branca. Tu tá parecendo uma cera, guri.

A mulher tirou uma bomba feita de cano de PVC e começou a fazer um buraco. Enquanto cavava, empinava a bunda grande e branca na minha direção. Desviei o olhar.

- Feito! - Olhei novamente e lá estava o orgulhoso guarda-sol amarelo esticado contra o céu azul. Era um senhor sombreiro.

A mulher montava um verdadeiro acampamento. Estendeu duas cangas, armou duas cadeiras. Puxou um cooler, arrastando-o pela areia, ele deveria estar lotado de bebida e comida.

Enquanto isso o menino ficava sentado na sombra do guarda-sol. Ele devia ter uns quatro ou cinco anos. Usava boné, camiseta que quase lhe cobria a sunga e óculos escuros. Não me parecia muito interessado em toda aquela função da mãe.

Ela continuava. Distribuiu um mundo de brinquedos na areia. Balde, pazinha, rastel e forminhas diversas. Sentou na cadeira, começou a soprar alguma coisa inflável e colorida. A coisa começou a tomar forma e pude notar que se tratava de uma pequena piscina de plástico. A mãe levou o baldinho até o mar. Encheu com a água salgada e jogou-a na piscina inflável. Fez isso mais umas seis vezes.

O menino não ligava pra nada. Começou a enfiar os pés na areia, cobrindo-os até os tornozelos.

- Agora vamos tirar essa camiseta! Tu precisa pegar um pouco de sol.

Ela retirou a camiseta do filho e começou a besuntá-lo de protetor solar. Achei que nenhum raio de sol penetraria aquela camada grossa e esbranquiçada que ia ficando sobre a pele da criança.

O garoto ficou quieto, enquanto o seu corpinho magro se balançava por aquela esfregação.Passado o lambuzo, a mulher disse:

- Hoje tu vai experimentar o mar.

Pela primeira vez ouvi a voz da criança.

- Não quero experimentar mar.

- Mas tu vai sim!

A mãe agarrou o menino pelos braços. Ele se debatia. Ele gritava:

- Não! Não quero experimentar mar!

Ela retirou o boné e os óculos do garoto. Rápida, pegou o filho no colo e foi carregando-o na direção da água.

A cena que se seguiu foi chocante.

A mulher entrou no mar com o garoto gritando e chorando em seus braços. Ela se agachou com ele entre as ondas da beirinha. Com as mãos, pegava água e molhava o rosto da criança.

Enquanto eu pensava se deveria ou não interferir, eles voltaram.

O menino tinha parado de chorar.

- Não foi tão ruim, foi?

- Eu tava com medo do barulho.

- Eu sei, filho. Mas tu é corajoso. Experimentou o mar!

Foi só então que eu notei. Os olhos azuis pálidos do garoto não podiam enxergar.

Recolhi minhas coisas, pois era hora de eu voltar e verificar minha rede social.

Não fui à praia naqueles próximos dias. Uma semana depois daquele evento, fui correr na areia e encontrei novamente aquela mãe e o filho.

Eles brincavam sorridentes no mar.


Tatiana Freitas é gaúcha, natural de Porto Alegre. Desde a infância, apaixonada por ler, escrever e desenhar. Seu leque de interesses intermináveis abrange: arte, viagens, história, psicologia, ciência e tecnologia. Cursou magistério no ensino médio. Foi modelo e manequim profissional. Graduou-se e pós graduou-se em Direito, dedicou anos à atuação jurídica. Atualmente sua prioridade é a produção de literatura ficcional. É aluna do Curso Livre de Formação de Escritores. Vive em Florianópolis com esposo, filho e uma cachorrinha. Na sua rotina não podem faltar alegres reuniões de família, conversas filosóficas e caminhadas com sua pet Rubi. E, é claro, debruçar-se sobre alguma boa história para ler, assistir ou contar.

 

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